Quem te viu e quem te vê
Mote
Neste Alentejo esquecido
Só o Alqueva é exceção
Eu peço a Deus, como amigo
Que nunca lhe falte o
pão!
I
Quem te viu e quem te vê
Meu Alentejo adorado
Hoje está envergonhado
Não dá emprego a ninguém.
Alguns patrões vivem bem
À conta de subsídios
Os campos de cultivo
Estão devolutos e cercados.
Aqui só pastoreiam gados
Neste Alentejo esquecido.
II
Na indústria e agricultura
Já não há investimento
O comércio dá-lhe o vento
Se cai, ninguém o segura.
Alentejo dava fartura
Se alguém lhe deitasse a mão
Tem um solo de eleição
E um bom microclima.
Tem tudo para estar em cima.
Só o Alqueva é exceção.
III
Tem mão-de-obra qualificada
E boa gente para trabalhar
Se houvesse fábricas a laborar
Não precisava mais nada.
È uma região demarcada
De vinhedos sem paralelismo
Tem qualidade o turismo
E é nobre na cultura
Desenvolvimento na agricultura
Eu peço a Deus, como amigo.
IV
O seu pequeno progresso
Foi as estradas construídas
Ruas, jardins, avenidas
Tudo pago e, a bom preço.
O país em retrocesso
Convida á emigração
Diz o povo e tem razão.
Alentejo é impoluto
Pode até faltar conduto
Que nunca lhe falte o
pão!
José Chilra
Vícios são vícios
Mote
Já me deixei de fumar
Agora passei a ter
Um só vício a sustentar
I
A minha bebida é água
E não dispenso o cafezinho
Todavia tenho a mágoa
E as saudades dum copinho.
Verde, maduro, sendo vinho
O que importa é o sabor
Cerveja, whisky, licor
São bebidas para esquecer.
Para respeitar o doutor
Já me deixei de beber.
II
Adegas e bons petiscos
Já risquei da minha agenda
Para não colocar em risco
A saúde, que é uma fenda.
Só em tabaco é uma renda
Para os pulmões um castigo
Este vício é um inimigo
Mas que teimo em abraçar
Amanhã quero ver se digo.
Já me deixei de fumar.
III
Já não vou ao futebol
Nem ligo ao computador
Já não danço o rock in rol
Nem canto o fado menor.
Só jogo cartas de amor
Sou crente em astrologia
Faço a minha poesia
Escolho um bom livro para ler.
Tempo para a fotografia
Agora passei a ter.
IV
Nos casinos e discotecas
Não entro para não pecar
Não quero sair em cuecas
Nesses seus jogos de azar.
Já ninguém me vê caçar
A pesca é uma mania
Viajar é uma utopia
Vou vivendo para amar
Eu tenho para minha Maria
Um só vício a sustentar.
José Chilra
Carta de uma mãe para o filho na França
Mote
Meu filho, vou-te
conta
As notícias da nossa
aldeia
Eu tenho que
desabafar
Senão morro de apneia
I
Há um mês que ando
doente
À rasquinha duma
perna
O teu pai não sai da
taberna
Só me cheira a
aguardente.
A tua irmã disse à
gente
Que se vai divorciar
Teu cunhado anda a
falar
Que anda metida com
outro.
Foi bem feito dar-lhe o troco
Meu filho, vou-te
contar.
II
O teu tio Niquita
Ranhó
Teve ontem um AV SEI
E por ter fugido à
lei
Foi de cana o teu avô.
A tua tia mete dó
Anda triste e já
vareia
Diz que a coisa
está feia
Mas ainda se
endireita.
Como vês são só
maleitas
As notícias da nossa
aldeia.
III
O Sapateiro bateu a
bota
No baile de São João
Dizem que foi coração
Por brigar com o Zé
da horta.
A tua noiva tão devota
A tua noiva tão devota
Estava lá para contar
Toda a gente a viu
dançar
Com o Chiquinho
Entalado.
Meu filho, ao ver-te
encornado
Eu tenho que
desabafar.
IV
A nossa vizinha Maria
Teve um filho do
Felisberto
O teu sobrinho está tão esperto
Que até chama cabra á
tia.
Chama vagina à
Virgínia
À avó chama baleia
A tua irmã volta e
meia
Dá-lhe uma orelhada a
brincar.
Meu filho, vou
terminar
Senão morro de
apneia.
José Chilra
Caçadores de vistas largas
Mote
São humildes e
honrados
Os caçadores da nossa
praça
Eu digo que são
tramados
Mas só em dias de caça.
I
Ainda mal rompe o dia
E já no campo deserto
Os fiéis de Santo Humberto
Vão testando a
pontaria.
Caminham léguas diria
Pelos campos coutados.
Às vezes são
apanhados
Fugindo às normas da
lei.
Os caçadores cá da
grei
São humildes e
honrados.
II
Levam armas, munições
E carros superlotados
Levam negaças, furões
Catanas, paus e machados.
Todos vão muito bem
armados
Com imensos cães de
caça.
Matam o bicho na
tasca
Partilham o seu
farnel.
Matam de forma cruel
Os caçadores da nossa
praça.
III
Usam penas nos
chapéus
Vão trajados a rigor
Quando exibem seus
troféus
Dizem que são os
melhores.
São vaidosos e impostores
A mentir são
diplomados
Tem fama de fazer
estragos
Dizem os donos das
terras.
Os caçadores doutras
guerras
Eu digo que são
tramados.
.IV
Caçam lebres e
perdizes
E ainda umas galinholas,
Coelhos, tordos,
rolas,
Pombos, Patos e
codornizes.
Desde Pedreiros a
juízes
Homens de todas as
raças.
Trocam mimos e
chalaças
Nesses caminhos
cruzados.
Todos são divorciados
Mas só em dias de
caça.
José Chilra